Crítica sobre o "Luz" (Nischo) 2022: Fernando Sobral - Jornal Económico
Isabel Rato move-se entre o jazz e a tradição clássica com a elegância de quem caminha sobre nuvens de sonhos. Parece trazer a paz, mas não esquece a luta das almas. O disco do seu Quinteto chama-se "Luz" (CD Nischo 2022), e é muito estimulante. O piano é a síntese, ou seja, o grande unificador deste disco que segue as águas do jazz como referência (...). Junte-se aqui que Isabel Rato une as qualidades de instrumentista e compositora. Afinal ela faz parte dessa nova geração de novos, ativos e ambiciosos nomes que vão abrindo janelas para a planície musical a partir do jazz. Por isso, jazz, clássica e tradição folclórica unem-se, e no caso deste novo disco, também ligações outras, como as de um compositor israelita, Shai Maestro (escute-se "From One Soul to Another") ou da voz da Cristina Branco (Ó Laurinda, Linda , Linda" é magnífico), da Sofia Vitória ou mesmo do Quarteto Arabesco. Com ela trabalham João David Almeida, João Capinha, João Custódio e Alexandre Alves, músicos de uma solidez gravitacional. Disco de grandes afinidades portuguesas em torno de sons mais globais. (...) E é uma lufada de ar fresco no nosso reino musical, renovando. Algo de que a música portuguesa necessita."
Isabel Rato: “Histórias do Céu e da Terra” Nischo António Branco
Não são os meses decorridos desde o seu lançamento que retiram importância ou negam um escrito a propósito de “Histórias do Céu e da Terra”, o segundo registo em nome próprio de Isabel Rato (n. 1981), pianista, compositora, arranjadora e produtora (e também letrista e cantora, embora não aqui neste último caso). Nele são confirmados e ampliados os predicados demonstrados no registo de estreia, “Para Além da Curva da Estrada”, editado em 2016 pela Sintoma Records, quer enquanto instrumentista valorosa, quer, e sobretudo, enquanto compositora de evidentes qualidades. Com um passado formativo na música clássica, veio a licenciar-se em Piano Jazz pela Escola Superior de Música de Lisboa, tendo como mestre o pianista João Paulo Esteves da Silva, influência que, aliás, ressalta claramente percetível, direta ou indiretamente, em muito do que se escuta nesta coleção de peças. Ao longo do seu percurso, Isabel já teve ensejo de colaborar com muitos dos nomes mais relevantes do jazz nacional, um rol de oportunidades que aproveitou para sintetizar uma abordagem musical abrangente, na qual balança criteriosamente o material escrito com espaço de manobra para a improvisação. A sua escrita permeável e elegante funda-se na confluência de elementos provenientes de vários territórios musicais, que vão do jazz (a trave mestra) à música erudita (as raízes), passando pela pop (mundo que continua a interessá-la) e pela rica tradição folclórica portuguesa. Guiou-a neste processo evolutivo a busca pela liberdade, através da improvisação, e a vontade de explorar mais a fundo as estruturas complexas a que o jazz a expusera. Também de realçar a atenção que Isabel Rato atribui à palavra, sempre em português, com Fernando Pessoa no cume das inspirações: depois de no primeiro disco ter musicado o heterónimo Alberto Caeiro, agora é a vez de Ricardo Reis e do poema “Segue o Teu Destino” (A realidade / Sempre é mais ou menos / Do que nós queremos. / Só nós somos sempre / Iguais a nós-próprios), palavras escolhidas pela autora para lidar com a dor da perda do pai. Em “Histórias do Céu e da Terra”, Isabel Rato reúne um quinteto base de músicos competentes e de créditos firmados no panorama nacional, como o saxofonista João Capinha, o contrabaixista João Custódio, o baterista Alexandre Alves e o cantor João David Almeida. Como convidados surgem o Quarteto Arabesco – decisivo para acrescentar espessura a muitos dos arranjos –, as cantoras Beatriz Nunes e Elisa Rodrigues, o acordeonista João Barradas e o guitarrista João Rato (irmão mais velho de Isabel e o responsável primeiro por esta ter prosseguido uma carreira musical). O álbum inicia-se com o tema-título, espécie de unificador conceptual, que conta com a participação do acordeão caloroso de João Barradas, em relação empática com o resto da formação. “Vem” é uma peça serena de sabor clássico, com voz (e letra) de Elisa Rodrigues, explorando aqui uma outra vertente da colaboração próxima que ambas vêm mantendo, e que já deu frutos, por exemplo, no duo Veia, estreado em outubro de 2018, e na leitura de “Estranha Forma de Vida”, incluída em “Com que Voz – Uma Canção para Amália”, disco de homenagem a Amália Rodrigues. “Das Nuvens” conta com a voz de João David Almeida, que também se escuta, e de forma porventura mais interessante, em “Passagem”, neste caso sem recurso a palavras. A intensa carga emocional de “Terra Sem Ar”, da autoria do pianista e compositor Luís Barrigas – peça inspirada pela tragédia dos incêndios de 2017 – é o substrato ideal para a voz magnífica da sempre surpreendente Beatriz Nunes, afagada pelas cordas do Quarteto Arabesco. “Mar”, balada majestosa de João Rato pontuada pela guitarra do próprio, e “Solstício”, com um lindíssimo arranjo de feição mais clássica e do qual emana um soberbo solo de João Capinha no saxofone soprano (para estes ouvidos, Capinha é o melhor executante deste instrumento no jazz nacional), são dois dos momentos mais reconfortantes do disco. “Linho Mourisco”, um tema tradicional português especialmente arranjado e re-harmonizado, traz de vez à tona a portugalidade que perpassa todo o disco. “Histórias do Céu e da Terra” volta a atestar, se necessário fosse, os talentos e a importância crescente de Isabel Rato no jazz nacional e vinca a necessidade de lhe seguirmos atentamente os passos.
Crítica de João Esteves da Silva:
Seguiu-se, já na sala principal, a actuação do quinteto de Isabel Rato (+ convidados), que aqui apresentava o seu álbum mais recente, “Histórias do Céu e da Terra”, lançado já este ano pela Nischo, selo discográfico que em boa hora veio proporcionar novas oportunidades de edição a artistas do nosso meio. O trabalho da pianista e compositora inscreve-se declaradamente (a própria fez questão de o salientar durante o concerto) na corrente – ou conjunto de correntes – contemporânea que tem procurado cruzar as tradições folclóricas locais com processos de improvisação jazzísticos, muitas vezes apostando também em arranjos sofisticados e de pendor mais clássico. O sucesso (muito variável) de tais empreendimentos depende em larga medida da sensibilidade estética do líder, bem como das suas qualidades composicionais. Estas felizmente não faltam no caso de Rato, sendo o resultado uma música bela, bem escrita, em parte identificável com o “jazz português” surgido nos anos 1980 e, sobretudo, 90, com um gosto que diríamos mediterrânico ou até arabizante. Entre os seis temas apresentados, foram talvez os instrumentais que mais captaram a atenção deste ouvinte, com destaque para as passagens mais contrapontísticas protagonizados por João Capinha e João David Almeida ou a pequena pérola “Solstício”, peça para trio de saxofone, piano e contrabaixo (ao qual no disco se junta um quarteto de cordas), próxima do trabalho mais camerístico de Avishai Cohen, “Almah”. À frente de um grupo muito competente, com um som limpo e cuidado, a pianista mostrou-se sempre segura, evidenciando-se principalmente num belo par de introduções a solo ou no modo generoso como contribuía para colar os vários elementos em jogo. in Jazz.pt - Sobre a Festa do Jazz Junho 2019
" A música da Isabel está cheia de palavras, das ainda não ditas, ou daquelas ditas e esquecidas há muito, ou então das que nunca foram nem podem, alguma vez, vir à existência; quero eu com isto dizer “poesia”, a música da Isabel está cheia de poesia. Não no sentido vago de quem diz que os temas são muito bonitos e tocados com sensibilidade,( o que também é verdade, aqui) mas num sentido quase técnico, se bem que sempre um tanto obscuro, que é o da presença da linguagem dentro da própria música, presença da linguagem na sua fase musical, naquela fase em que as palavras ainda são só música. E depois, a música não precisa necessariamente das palavras para ser o que é enquanto música, para alguns, a música é mesmo uma ocasião de fuga para longe desta coisa problemática, carregada de significâncias, de querer-dizeres, de coisas potencialmente perturbadoras. Outros músicos há, para quem as palavras são necessárias, de modo vital. Acho que estes poderiam ser chamados músicos-poetas. É o caso da Isabel. " João Paulo Esteves da Silva Pianista e Compositor
" Apesar de se tratar de uma estreia, a pianista revela desde logo ideias bem definidas. São sete temas originais, um deles a fazer companhia às palavras de Pessoa, juntando-se ainda dois temas tradicionais, um português, outro basco — estes com arranjos particulares. A uma base estável mais ligada ao jazz, Rato tenta injectar na sua música uma certa portugalidade(...) A nível instrumental, além da pianista, bastante forte, destaca-se novamente o saxofone de Desidério. O grupo é globalmente coeso, respondendo bem aos desafios da composição. " Nuno Catarino Crítico de Jazz, in Jornal Público
" Absolutamente belo este disco que Isabel nos traz. Há aqui muita música para descobrir. A cada audição encontramos algo de novo que nos faz voltar uma e outra vez. Está tudo certo, a composição, os músicos, os solos, o som. Não se faz um disco como este sem muita paixão, muita reflexão, muito trabalho e uma inspiração imensa. Tudo isto num primeiro disco. Brilhante. ” Nelson Cascais Contrabaixista e Compositor
" (...) Discos superlativos de portugueses: Isabel Rato, com Para Além da Curva da Estrada (Sintoma) e Lisboa, do LST. O primeiro parte das ideias, do piano e da voz da criadora, em torno de um jazz melódico de quase big band, com toques eruditos e investigação étnica, como se Carla Bley desaguasse na península. " Nuno Rogeiro Jornalista, in Sábado
" Desde a audição do captivante ostinato inicial de Moonsteps que percebemos que Para Além da Curva da Estrada não é apenas mais um disco. Isabel Rato mostra uma maturidade rara para um disco de estreia. É uma obra inteligente e pensada, em que a excelência dos intérpretes é utilizada da melhor forma - são os actores de uma narrativa introspectiva, melancólica e apaixonante. Existe uma enorme diferença entre ser um bom músico e ser um bom artista, no verdadeiro sentido da palavra; alguém que procura, através da arte, transmitir algo maior, mais importante e universal. A Isabel prova, com este disco, que consegue ser ambas as coisas. Seria, portanto, muito redutor classificar a sua música com um género ou com um estilo: é música livre, sincera e profundamente portuguesa. A nossa tradição musical é aqui homenageada de uma forma fresca e honesta, e destemidamente mestiçada com o jazz nas improvisações sofisticadas dos solistas. É igualmente impressionante a inegável qualidade na escrita dos arranjos. Um bom arranjador vive do bom gosto, da transmissão de imagens e sensações, da capacidade de construir uma estética e de conseguir um som de grupo. " Filipe Melo Pianista e Compositor
"Para Além da Curva da Estrada, inicia uma bela e consistente viagem composicional que a compositora e pianista Isabel Rato nos revela agora. Viagem esta que terá iniciado há muitos anos atrás, e muito antes sequer de imaginar que a seguir a esta curva da estrada, onde agora viaja, existirão muitas outras mais que nos levarão a novos lugares poéticos. Nesta jornada, há um som que reconhecemos e que nos faz sentir em casa, paisagens sonoras com influências que nos são tão íntimas, como o embalo ancestral de uma melodia pagã - uma voz que a Isabel parece conhecer tão bem. Importante referenciar a sensibilidade musical dos colegas de viagem que numa perfeita comunicação nos revelam as subtilezas das composições. Vamos seguindo nesta estrada, com imensa curiosidade pelo porvir. " Filipe Raposo Pianista e Compositor
" Como gerir a situação de estar entalado entre a escola e as últimas preparações para a gravação da minha "Banda Larga“ e responder ao pedido da Isabel, de escrever acerca do seu cd? Opto por não escrever sobre tudo à pressa e superficial, mas focar-me naquilo que conta para mim. Num cd, num concerto que gosto costuma haver um momento que tenha alguma coisa de especial para mim, momento que memorizo e interiorizo na 1a vez que oiço. Caso não encontre este momento, isso é um indício que perante aquilo que eu aprecio em música, um cd ou um concerto pode ser uma seca. Bora lá então pôr o cd a tocar, a trabalhar em outras coisas ao mesmo tempo. Rapidamente encontro o "meu tema“ que me cria o interesse pelo álbum todo e pela música da Isabel. Ainda antes de dizer qual é: sinto uma certa sonoridade melancólica neste cd, se "saudade“, tem a ver com melancolia, este cd é muito português, tocado por um grupo de bons músicos, não apenas um conjunto. Mas "Dança Da Terra“ hmmm ….. penso que a Isabel gosta do Hermeto (?), "Milho da nossa Terra“ : Lindo! "Lua Lua“ muito muito bonita a versão..... Quem essa voz de um timbre tão especial? Não oiço quem é! Vejo no booklet, mas é o David: Lars, seu ignorante! Mas Isabel, porque não falar directo para ti: "De mãos dadas“ , arrepiou, foi "amor à 1a escutada“! Num género musical com tendência em celebrar os improvisadores até ao ponto de desligar a consciência por tanta coisa boa que acontece em volta, o meu gosto particular por acompanhamento, variações em termos de timbres e texturas (muito antes de harmonia e do protagonismo da melodia) talvez não seja muito representativo por aquilo que a maioria aprecia em música jazz. Mas neste tema mostraste-me a tua capacidade de interferir na música que escreveste para o teu grupo. Não te limitas a inventar matérias primas. És capaz de encenar e orquestrar as tuas ideias, isso quer dizer que és mesmo "compositora de música jazz“, e não só "compositora de jazz“. Percebes o que quero dizer, certo? " Lars Arens Trombonista e Compositor