Pianista Isabel Rato leva Céu e Terra ao Bragança Jazz
No Dia da Música, a pianista e compositora Isabel Rato apresenta no Bragança Jazz o seu mais recente disco, Histórias do Céu e da Terra. A abrir o festival, esta terça-feira, às 21h30.
Nuno Pacheco 1 de Outubro de 2019, 8:09
Três anos após o seu disco de estreia, Para Além da Curva da Estrada (2016), a pianista, compositora, arranjadora e também professora Isabel Rato gravou Histórias do Céu e da Terra, disco lançado em 2019 e que neste dia 1 de Outubro, Dia Mundial da Música, vai ser apresentado ao vivo a abrir o festival Bragança Jazz, no Teatro Municipal, às 21h30.
Nascida em Lisboa, em 18 de Dezembro de 1981, Isabel Rato começou a estudar piano muito cedo, aos cinco anos. Também estudou ballet clássico, guitarra, canto, mas foi o piano que a “agarrou” e foi nele que se concentrou como criadora. “Acabei por elegê-lo como meu instrumento principal, aquele que melhor preenchia a minha vontade de fazer música e de tocar”, diz Isabel Rato ao PÚBLICO. Com intervalos: aos 12 anos “parou” o piano, começou a tocar guitarra eléctrica, acabando por voltar a ele aos 16, mas mais virada para o rock e a pop. “Comecei a tocar profissionalmente como teclista aos 18 anos, nos Despe & Siga. Mas já nessa altura ouvia muito jazz.” O que a atraiu? “Uma certa necessidade de liberdade, a procura da improvisação, a sensação de complexidade que o jazz nos traz.”
O irmão mais velho, o guitarrista João Rato, ajudou: “É ele o responsável por eu seguir música. Trilhou este caminho antes de mim e foi à conta dele que comecei a ouvir jazz.” Mas não em exclusivo: “Nunca deixei de tocar pop, e ainda faço trabalhos de freelancer como teclista, faço substituições, acompanho artistas que eu aprecio e que me convidam.”
Composição e poesia
Antes de fazer a Faculdade, em 2011, a escolha da via a seguir fez-se de forma natural: “Há um momento em que começo a dedicar-me mais ao estudo jazzístico e o clássico vai ficando mais para trás.” Foi em 2009, esse “ponto de viragem”: sai de Cascais, vai para o Seixal e começa a estudar com o pianista e compositor João Paulo Esteves da Silva. “A composição vem com a minha presença na Faculdade e com a exposição às pessoas com quem estive e a quem sou altamente agradecida: o João Paulo, meu mestre de piano, mas também todo um leque de professores, o Bruno Santos (agora director da escola do Hot), o Nelson Cascais, o Lars Arens. Aí, a minha vontade de escrever começa a ser superior a tudo o resto, como se precisasse de respirar. Queria escrever e ser feliz nesse processo.”
Um processo onde a poesia ganhou lugar, sobretudo Fernando Pessoa. No primeiro disco, musicou Alberto Caeiro, um excerto de O Guardador de Rebanhos; e neste tem Ricardo Reis, com o poema Segue o teu destino. “A minha ligação à poesia vem desde muito cedo, da escola pública. Mas depois acabei por ter mesmo aulas de poesia, de grupo, durante vários anos, com declamação e interpretação de poemas, isto fora da escola. Nesse período, houve um trabalho exaustivo em torno de Fernando Pessoa e a minha paixão vem daí: de mergulhar na poesia e de aprender a descobrir Pessoa.”
“Canto, mas aqui não”
Em Bragança, Isabel Rato (piano) apresenta-se em quinteto, formação com que gravou o disco. Com ela estarão João David Almeida (voz), João Capinha (saxofone), João Custódio (contrabaixo) e Alexandre Alves (bateria). No disco, participaram ainda João Rato, o acordeonista João Barradas e as cantoras Elisa Rodrigues e Beatriz Nunes. Isabel estudou voz e canta noutros trabalhos, mas não nestes seus discos: “Canto e toco, mas em pequenos auditórios ou bares. Aqui não, porque sempre achei que a tarefa pianística, de composição, de orientar o grupo, era altamente absorvente.” E escolheu João David, que conheceu na Faculdade: “É um cantor excepcional, um improvisador fantástico.”
Depois de Bragança, e dos vários palcos onde tem actuado (Hot, Casa da Música, Seixal Jazz, Évora, Mafra, etc.) Isabel Rato tem ainda um Concerto Antena 2, no Liceu Camões, já este dia 9, e um concerto pedagógico no âmbito do Seixal Jazz, dia 22 de Outubro. “Traz estudantes entre o 5.º e o 9.º ano, são seleccionadas várias turmas no concelho, e vai ser dedicado à história do jazz. Mas também vou apresentar composições minhas.”
In, Jazz.pt, João Esteves da Silva:
"Seguiu-se, já na sala principal, a actuação do quinteto de Isabel Rato (+ convidados), que aqui apresentava o seu álbum mais recente, “Histórias do Céu e da Terra”, lançado já este ano pela Nischo, selo discográfico que em boa hora veio proporcionar novas oportunidades de edição a artistas do nosso meio. O trabalho da pianista e compositora inscreve-se declaradamente (a própria fez questão de o salientar durante o concerto) na corrente – ou conjunto de correntes – contemporânea que tem procurado cruzar as tradições folclóricas locais com processos de improvisação jazzísticos, muitas vezes apostando também em arranjos sofisticados e de pendor mais clássico. O sucesso (muito variável) de tais empreendimentos depende em larga medida da sensibilidade estética do líder, bem como das suas qualidades composicionais. Estas felizmente não faltam no caso de Rato, sendo o resultado uma música bela, bem escrita, em parte identificável com o “jazz português” surgido nos anos 1980 e, sobretudo, 90, com um gosto que diríamos mediterrânico ou até arabizante.
Entre os seis temas apresentados, foram talvez os instrumentais que mais captaram a atenção deste ouvinte, com destaque para as passagens mais contrapontísticas protagonizados por João Capinha e João David Almeida ou a pequena pérola “Solstício”, peça para trio de saxofone, piano e contrabaixo (ao qual no disco se junta um quarteto de cordas), próxima do trabalho mais camerístico de Avishai Cohen, “Almah”. À frente de um grupo muito competente, com um som limpo e cuidado, a pianista mostrou-se sempre segura, evidenciando-se principalmente num belo par de introduções a solo ou no modo generoso como contribuía para colar os vários elementos em jogo."